quarta-feira, 9 de março de 2011

A Espera ( Final )



pensador

E muitos outros pensamentos questionadores, estranhos para ele, uma vez que se acostumara desde pequeno a simplesmente seguir a onda da vez, invadiam sua mente, como se fossem os antigos moradores, há muito despejados, mas que agora, tomados de uma nova motivação, reivindicassem sua antiga morada. Não era uma sensação ruim, mas antes disso, estranhamente motivadora. Lembrou das campanhas de consumo anteriores, nas quais fora envolvido, levado a consumir sem pensar, sem questionar se de fato eram necessidades, ou simples compulsão sem motivo.
Lembrou dos tantos aparelhos, todos ainda funcionando bem, que já possuía em casa, que eram substituídos quase como uma obrigação, a cada nova campanha, apesar de, agora percebia, não haver motivo coerente, lógico, para isso. Ficou assustado com aquele percebimento, e pela primeira vez sentiu que sempre fora um autômato movido pela vontade alheia. Sentiu um misto de revolta e um tanto de liberdade, pois sabia que, a partir daquele ponto, não mais conseguiria ser um"boneco movido pela corda alheia". A sensação era que acordara de um longo e perturbador sono, em todos os sentidos.

Achou graça ao observar seus amigos, ali ao seu redor, naquela imensa fila de espera, o nde passaram a madrugada, a troco de nada, discutindo tolices como os benefícios de se possuir um celular que, além de fazer aquilo que todos os demais já faziam, era capaz de mostrar em tempo real, a temperatura do núcleo da Terra. Saindo dali, depois se reuniriam, como das outras vezes, cada um tentando configurar seu aparelho, com um padrão diferenciado, embora fossem todos iguais. Depois iriam para suas casas, e lá permaneceriam, diligentes, em estado de espera, até a próxima campanha, o próximo comando, a ordem de como deveriam agir. E depois, pensou, quem poderia garantir se aqueles números seriam de fato da temperatura do centro do planeta, afinal de contas, quem iria lá, com um termômetro, para conferir?

De fato, estava pensando, sentia uma liberdade estranha, não por ser esquisita a sensação, mas porque sentia uma segurança, uma confiança em si, que nunca experimentara antes. E sem dizer nada, já que nenhum dos demais teria ouvidos, ou olhos, para outra coisa. Se afastou sem ser notado, sem explicar nada a ninguém. Estava, pela primeira vez em sua vida, consciente de uma ação sua.





Autor: Alberto Grimm
Veja mais detalhes sobre o autor nas notas abaixo.
email: alberto.grimm@gmail.com 

Um comentário:

  1. Notas:

    [1] Alberto Grimm, é escritor de histórias infantis, e agora nos presenteia com seus contos, como um eventual colaborador do Site de Dicas.
    Os contos são fábulas modernas, das quais sempre podemos extrair formidáveis lições de vida, que muito favorece à reflexão.
    O autor é Mestre em Filosofia e graduado também em Publicidade e Design Gráfico.

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